Em celebração na Basílica de São João de Latrão, Pontífice se apresenta como servidor e renova compromisso com a comunhão, a caridade e o acolhimento
Em uma das cerimônias mais simbólicas do início de qualquer pontificado, Papa Leão XIV tomou posse oficialmente da Cátedra de Bispo de Roma, neste domingo (25), na Basílica de São João de Latrão, considerada a igreja-mãe da cristandade. O gesto, carregado de força teológica, histórica e pastoral, confirma o Pontífice como sucessor de Pedro não apenas no Vaticano, mas como pastor da Diocese de Roma, missão que simboliza o coração espiritual da Igreja Católica.
Diante de milhares de fiéis, autoridades e representantes do clero, Leão XIV reforçou sua visão de uma Igreja que se coloca a serviço, com rosto materno, marcada pela escuta, pela proximidade e pela misericórdia.
“Para vós sou Bispo. Convosco sou cristão. Este é o centro da minha missão. Sem oração e sem a caridade que nasce do Evangelho, nada se sustenta”, afirmou o Papa, ao assumir, formalmente, o pastoreio da Diocese de Roma.
Um gesto que ultraa a liturgia
O momento central da celebração foi o instante em que o Pontífice se sentou na cátedra episcopal da Basílica de São João de Latrão, gesto que não representa apenas autoridade, mas sobretudo a responsabilidade do Papa como primeiro servidor da comunhão e da unidade da Igreja Católica.
O ato, acompanhado pelo Cardeal Baldassare Reina, vigário do Papa para a Diocese de Roma, marcou o início de um novo ciclo pastoral para a cidade eterna, sob a condução de Leão XIV.
A Igreja como mãe, e não como poder
Em sua homilia, o Papa reafirmou sua visão de uma Igreja que não se ergue sobre a lógica do poder ou do prestígio institucional, mas sobre a lógica do serviço e da proximidade.
Citando a inscrição da fachada da Basílica — Mater Omnium Ecclesiarum (“Mãe de todas as Igrejas”) —, Leão XIV sublinhou que a Cátedra de Pedro não é um trono de dominação, mas um lugar de escuta, diálogo e cuidado.
“O ministério do Bispo de Roma não é o de quem comanda, mas o de quem serve. A Igreja, aqui e em qualquer lugar do mundo, é chamada a ter um rosto materno, capaz de gerar vida, cuidar, proteger e acompanhar.”
A fala ecoa os ensinamentos do Papa Francisco e retoma a tradição dos grandes padres da Igreja, que viam no pastoreio de Roma não uma supremacia de mando, mas uma referência espiritual e pastoral.
Evangelho com joelhos dobrados
Inspirado no Evangelho do dia, Leão XIV destacou que o anúncio cristão só é possível quando nasce de um coração em constante escuta e de uma vida marcada pela oração.
“Anunciar o Evangelho não é transmitir uma doutrina, mas testemunhar uma vida transformada. É preciso falar, sim, mas antes, é necessário escutar: escutar Deus, escutar o povo, escutar a própria consciência iluminada pela fé.”
O Papa defendeu uma Igreja que não tenha medo de reconhecer suas fragilidades e que compreenda que sua credibilidade nasce da coerência, da simplicidade e da honestidade das suas ações.
O compromisso com Roma e com o mundo
Leão XIV manifestou gratidão ao caminho percorrido pela Diocese de Roma e declarou seu desejo de se colocar à disposição dos fiéis, das comunidades paroquiais, dos agentes pastorais e dos milhares de peregrinos que cruzam diariamente a cidade eterna.
“Quero aprender com vocês. Quero escutar, compreender e discernir juntos os caminhos que o Espírito indica para nossa Igreja. Aqui, onde a tradição dos apóstolos Pedro e Paulo moldou nossa fé, somos chamados a construir pontes e não muros.”
O discurso se conecta diretamente às expectativas da Igreja em preparação para o Jubileu de 2025, quando Roma deverá receber milhões de peregrinos do mundo todo.
Humildade como chave do pontificado
Encerrando sua homilia, o Papa evocou as palavras do Beato João Paulo I, o “Papa do sorriso”, que dizia: “Ofereço-lhes o pouco que tenho e que sou.” Leão XIV, visivelmente emocionado, reforçou:
“A missão não é minha, é nossa. E, se eu trago algo, é o desejo sincero de servir. Peço que rezem por mim, como eu rezarei por vocês.”
Na conclusão, confiou sua missão à intercessão dos santos de Roma, especialmente dos apóstolos Pedro e Paulo, e à proteção maternal da Virgem Maria, recordada como Salus Populi Romani — a proteção do povo romano.
Análise: Um gesto que molda a imagem do pontificado
Para o historiador e especialista em comunicação e imagem religiosa, Giovanni Marchetti, professor da Universidade Gregoriana de Roma, a liturgia de posse da Cátedra de São João de Latrão é um dos momentos mais poderosos da construção simbólica de qualquer pontificado.
“Este gesto consolida a imagem de um Papa servidor, pastor próximo e sensível às dores do povo. Ao se colocar como ‘um de nós’, Leão XIV não apenas atualiza a tradição, mas também fortalece sua própria legitimidade junto ao mundo católico e à opinião pública global. É uma comunicação poderosa, que transcende os muros do Vaticano.”
Segundo Marchetti, em tempos de polarização, de desconfiança institucional e de desafios sociais globais, a aposta em uma liderança humilde, acolhedora e marcada pela escuta se torna não apenas uma escolha teológica, mas também uma estratégia eficaz de governança espiritual e de comunicação.
“A escolha das palavras, o tom da voz, o foco na escuta e no serviço não são acidentais. Eles desenham o perfil de um pontificado que pretende ser mais próximo, mais humano e mais enraizado nas dores e nas esperanças do nosso tempo.”
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