Cresce o movimento por restrições à propaganda de bebidas alcoólicas e alertas sanitários nos rótulos; setor produtivo reage com cautela
Brasília — Em meio ao aumento de internações por doenças hepáticas e à escalada dos índices de violência doméstica associada ao consumo de álcool, especialistas em saúde pública têm defendido a adoção de medidas regulatórias mais rígidas contra bebidas alcoólicas no Brasil, semelhantes às implementadas para o cigarro nas últimas duas décadas.
A proposta, que vem ganhando força entre médicos, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e técnicos do Ministério da Saúde, prevê o endurecimento das regras de publicidade e o uso obrigatório de advertências nos rótulos — com mensagens sobre os riscos do consumo abusivo e suas implicações para a saúde física e mental.
“O álcool é hoje um dos principais fatores de risco evitáveis de morte e adoecimento no país. No entanto, a percepção social ainda é de normalidade. Precisamos tratar o álcool com a mesma seriedade com que tratamos o tabaco”, afirma o psiquiatra e professor da UFRJ Roberto Canavez, especialista em dependência química.
Dados mais recentes do Datasus indicam que, em 2023, o Brasil registrou mais de 36 mil internações hospitalares por cirrose hepática alcoólica, além de 19 mil notificações de intoxicações agudas por bebidas. Ainda segundo o Ministério da Saúde, cerca de 12% dos brasileiros apresentam algum grau de consumo considerado nocivo à saúde — especialmente entre homens jovens de 18 a 34 anos.
Pesquisadores da Fiocruz, que integram um grupo de trabalho sobre regulação do álcool, entregaram em abril uma proposta ao Conselho Nacional de Saúde sugerindo a inserção de rótulos com advertências visuais semelhantes às aplicadas a produtos fumígenos, além da proibição de comerciais voltados ao público infantojuvenil.
“Há evidências robustas de que a exposição à publicidade de bebidas alcoólicas influencia o início precoce do consumo entre adolescentes”, afirma a pesquisadora Ana Paula Bortoletto, da Fiocruz Brasília.
Projeto de lei quer limitar propaganda em horários nobres
No Congresso Nacional, tramitam ao menos dois projetos de lei que tratam da regulação da publicidade de bebidas alcoólicas. Um deles, do senador Humberto Costa (PT-PE), prevê a proibição de anúncios entre 6h e 21h em rádio e televisão, e a obrigatoriedade de alertas sanitários em peças gráficas e digitais. A proposta aguarda parecer na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
“Estamos diante de um problema de saúde pública com repercussões sociais graves. O Estado precisa agir com responsabilidade, como fez no ado com o tabaco”, afirmou o senador à reportagem.
Setor produtivo contesta propostas e pede diálogo
Entidades representantes da indústria de bebidas e do agronegócio afirmam que o setor já adota códigos de autorregulação e que eventuais mudanças devem ser discutidas com responsabilidade. Em nota, a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) declarou que “reconhece a importância do consumo responsável e é contrária ao o precoce de jovens ao álcool”, mas considera que “medidas radicais podem prejudicar setores produtivos relevantes da economia brasileira, como a vitivinicultura e a indústria cervejeira”.
A Abrabe também argumenta que o Brasil já possui leis específicas para publicidade de bebidas com teor alcoólico superior a 13 graus, como o artigo 2º do Decreto 6.871/09, que regulamenta a veiculação em rádio e televisão.
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